Fale com as Paredes

domingo, julho 02, 2006

cena de filme

Don Quixote é um personagem muito requisitado pela família. Minha vó o ama. Eu, pelo amor à Literatura o admiro, embora ainda não tenho lido suas aventuras - já está na lista de "coisas pra fazer antes de morrer". Outras pessoas queridas podem não se reconhecer na fina flor da cavalaria andante, mas eu os reconheço nele.

Durante muito tempo algumas pessoas diziam-me que eu era um sonhador, que eu tinha um caráter de fugitivo da realidade e que eu me fechava nos livros como uma forma de não evitar o mundo e as pessoas. Quando eu as ouvia, percebia que elas me desenhavam tal um Quixote. Nunca me ofendi, até gostava - e ainda gosto - disso. No entanto hoje eu vejo que estou num período de ser mais Sancho Pança - que, segundo um amigo da Livraria com quem conversei recentemente, é o verdadeiro peso, a força desse que é o grande romance moderno.

E pensando no Sancho foi que eu me lembrei da cena de um filme espanhol baseado na história de Don Quixote que há alguns anos assisti. Talvez seja esse um os filmes que mais me marcou em tão poucas cenas, o Urso bem o sabe pois já conversei muito com ele (que ainda não o viu) sobre ele.

Numa das cenas finais, há um duelo na praia entre o engenhoso fidalgo e o médico de sua vila que se disfarça de outro cavaleiro andante para tentar levá-lo de volta. O acordo do duelo é de que aquele que for derrotado deverá reconhecer como a mulher mais bela entre todas a donzela de seu adversário e também renunciar à vida andante. Obviamente, Quixote é derrotado. O "cavaleiro" então apontando a espada para o pescoço da herói, reclama seu prêmio. A resposta que ele obtém é íntegra como somente uma resposta de Quixote poderia ser: morrerei antes de dizer que possa haver mulher mais bela que a formosa Dulcenéia (que na verdade é mais uma idealização de Quixote). O médico que não intenta matá-lo exige que ao menos ele deixe a vida de cavaleiro andante e volte para sua casa.

À essa altura do filme todos sabemos que deixar essa vida, para Quixote, significa morrer. Lá está ele estendido na praia, depois de, em nome da honra, ter aceito o prêmio de seu adversário quando Sancho que o amparava nos braços revoltá-se, e aos brados diz para a corte do outro cavaleiro que se afasta uma das frases mais marcantes que eu já ouvi:

- Nossa glória não é fumaça para ser espalhada pelo vento! Viva Don Quixote de la Mancha! Viva Dulcenéia!